Quando eu era criança, pensava que se um dia eu perdesse meus pais, meu mundo iria desabar. Apesar de eu não ter a mãe perfeita, ela era uma das poucas pessoas que conviveu comigo enquanto eu era desprezada pelo resto da sociedade.
O que me assombrava no passado, hoje, já não é tão presente em mim. Atualmente não vivo mais com meu pai, e ver minha mãe morta não me trouxe tanta comoção.
Eu poderia ser classificada entre as piores filhas do mundo, se existisse um tipo de competição desse tipo, pois, era comentários como esse que eu ouvia dos populares da minha cidade, enquanto eu não derramava uma lágrima durante o sepultamento da minha mãe.
Levou duas semanas para que meu pai conseguisse finalmente resolver toda a papelada do emprego, da casa, do casamento, e de toda investigação da polícia e autoridades sobre o suicídio da minha mãe.
Nesse meio tempo, decidi não voltar para São Paulo, e fiquei dando apoio para que ele resolvesse tudo o mais rápido possível, e que por fim, juntos sairíamos de vez dessa medíocre cidade, para fazer uma nova vida em São Paulo.
O Jefferson, gerente do mercado, me deu total apoio pelo telefone, me certificando que a qualquer momento que voltasse para a cidade, eu já poderia reiniciar meus trabalhos.
Deixei claro para meu pai que iria continuar a minha vida em São Paulo, como era antes disso tudo acontecer. De início, fiquei preocupada por deixar ele morando sozinho, mas, logo percebi que ele não estava abalado com o que se passou. O que mais ele desejava, era construir uma nova vida, e o passado não o assombrava.
Mesmo por telefone, eu poderia perceber quem realmente estava abalada, e não era por esses últimos acontecimentos na minha vida, eu sabia muito bem os motivos que afligiam a vida de Ananda. Apesar dela fingir que estava tudo bem, eu sentia que não iria demorar para que o envolvimento com o pai dela fosse vir à tona. Ananda não era o tipo de garota que deixava as coisas acontecerem e ficava tudo bem, ela é do tipo que faz a coisa acontecer, e só espera o momento certo para isso. E eu iria ajudar! Tinha agora perfeitamente, uma maneira como ajudá-la!
Essas duas semanas que fiquei longe de São Paulo, foram resumidas em: Mari e Celular, Celular e Mari.
Eu já estava começando a me sentir horrorosa como sempre me senti a vida toda, pois a única pessoa que declarou interesse por mim no tinder foi aquele Felipe, apesar de eu não declarar o mesmo interesse que ele tinha por mim, o garoto parecia insistente. Até que em um desses dias, fui surpreendida com uma ligação:
- Alô? É a Mari?
- Sou sim, quem é?
- Oi, tudo bem? Sou o Felipe, do tinder.
- Oi? Como...?
- Você deixou seu número de telefone no perfil, ué, qualquer pessoa poderia pegar e ligar pra você. Foi o que eu fiz, já que você me ignorou. Na verdade, não quis pensar que estava sendo ignorado, acho que você não tava usando o aplicativo, não foi isso? -
Felipe era engraçado e tamanha simpatia me fez esquecer o quanto o ignorei esse tempo todo.
Conversa vai, conversa vem. Não conseguia imaginar que já estávamos mais de 3 horas no telefone. Depois de tantos dias, foi umas das únicas noites que fui dormir sorrindo, lembrando das histórias que Felipe me contou. Adorei conhecê-lo, mesmo que tenha sido por telefone.
A partir desse telefonema, nosso contato se estreitou, e passamos a conversar durante o dia todo. Parecia que eu o conhecia há anos. Felipe não me atraía fisicamente, mas me fazia bem, e eu estava adorando dividir um pouco da minha vida com ele, e saber mais da vida dele. Era um garoto predado, e meu pai irá adorá-lo se vinher conhecê-lo um dia. Felipe, tem 20 anos, já está no terceiro ano na faculdade de Direito, e teria muito o que conversar com meu pai, que é um advogado e exerce a profissão à tanto tempo.
Mesmo sem saber de quem se tratava, meu pai já estava curioso, pois, nesses dias que passamos juntos, ele viu e ouviu por diversas vezes as minhas conversas a cada telefonema que Felipe me fazia. Pelo conteúdo, logo percebeu que não era Ananda que me ligava o dia todo.
Finalmente, o dia que antecedia nossa viagem de volta à São Paulo, chegou. E, meu pai percebeu que eu não estava tão animada:
- O que foi filha? Não vai me dizer que você tá triste por sair daqui de vez... Você sempre quis isso.
- Ai pai, não é isso! É outra coisa... Deixa pra lá.
- É aquele garoto? O que ele fez contigo?
- Que garoto? Não tem garoto nenhum.
- Você acha que eu sou bobo, Mari? Sei que não é com a Ananda que você vive falando no telefone. Ela não tem a voz tão grossa. -
Caímos na gargalhada, e eu finalmente me abri:
- Pai, tem um garoto sim. O nome dele é Felipe e ele me chamou pra sair amanhã, já que vamos estar de volta em São Paulo. Mas não sei se quero...
- Você gosta dele?
- Sim, ele é muito legal comigo.
- Então o que te prende a ir à esse encontro? -
Eu sabia desde o começo o que me prendia, mas não queria aceitar. Uma coisa que parecia tão boba, mas que estava sempre na minha cabeça. Eu ainda tinha esperanças de encontrar o Gabriel. Foi ele que tirou minha virgindade e eu desejava que apenas ele possuísse meu corpo outra vez, ele que me fez me apaixonar em uma única noite.
Mas, tendo meu pai ali do meu lado, me fez reacender uma chama dentro de mim. Aconteceu tanta coisa com meu pai e ele está tão bem, não parou no tempo, está vivendo! E é assim que tenho que ser:
- Nada me prende, pai! Eu vou pra esse encontro. -
Finalmente o dia chegou, e amanheceu limpo e sereno. Meu pai e eu estávamos prontos para nos despedir pela última vez dessa cidade, e construir uma nova etapa em nossas vidas.
Quando cheguei em casa, parecia que eu tinha passado férias, e que ali era meu verdadeiro lar, mesmo que seja pequeno e dividido com uma amiga.
Fomos recebidos com abraços e beijos de Ananda, que não tinha muita animação em dizer o que se passou com ela nessas últimas semanas, enquanto eu, estava cheias de novidades.
Meu pai, se despediu de nós, e foi finalmente para sua casa que ele alugou próximo à mim:
- Filha, tome cuidado no encontro, hoje. Qualquer coisa me liga. Te amo! -
Ananda pareceu mais animada do que eu, quando soube que eu iria sair com um garoto. Eu ainda estava subestimando a beleza do Felipe, pois não dei muita importância e nem fiquei ansiosa para me arrumar igual uma princesa. Apesar de que fiquei parecendo uma, já que Ananda me fez de boneca, e me arrumou com todos os acessórios, maquiagem, uma saia com estampa de flores e uma cropeed branca de renda.
Marquei com o Felipe para que ele vinhesse me buscar em casa. Já assim, talvez ele corresse logo de mim, quando visse onde eu morava.
O garoto pareceu ansioso, pois pontualmente na hora marcada, Felipe bateu em minha porta. Quando abri, e o vi pessoalmente pela primeira vez, pareceu que o mundo tinha parado. Eu tinha sã consciência que realmente ele não era tão bonito, mas eu só conseguia vê-lo em minha mente como um garoto lindo. O esforço dele para esse encontro foi perceptível. Pareceu até que ele tinha comprado roupa nova, e colocado bastante perfume para me impressionar. E conseguiu. No táxi, eu não conseguia tirar os olhos dele, e nem ele tirou os olhos de mim.
Felipe me levou para um restaurante não muito longe dali. Me prometeu que eles serviam as melhores sobremesas, e que eram mais esperadas do que o próprio prato principal:
- Você não tá de regime né? Porque com tantas delícias que tem aqui, não vou deixar você sair do nosso primeiro encontro só comendo folhas.
- Não estou de regime. Nunca fiz regime. Pode escolher os melhores pratos que você achar, já que conhece o cardápio. -
A noite estava agradável, era incrível como esse garoto me fazia bem, com tão pouco. Ouvir ele falando era maravilhoso. Eu sorria a todo instante em cada situação que Felipe me descrevia de sua vida.
O jantar estava maravilhoso, a sobremesa, como Felipe mesmo disse antes, estava deliciosa. Depois de tomarmos alguns drinks, ele delicadamente pegou na minha mão e me levou para um local reservado, do restaurante.
Era a varanda do segundo andar. Tinha uma decoração parisiense, bonita e agradável. Só estava nós dois ali, observando o céu, as estrelas, a lua que brilhava tão forte naquela noite.
Em nenhum momento, Felipe soltou as minhas mãos. E meu coração começou a sentir um friozinho. Coisa que eu não sentia desde a vez que conheci Gabriel. Mas, com Felipe era diferente. Não sei como explicar, certas coisas nem precisam de explicação, só precisam ser sentidas.
Felipe começou acariciar meu rosto, a chegar mais perto do meu corpo, e eu conseguia sentir o coração dele bater:
- Sabe, Mari. Você é a menina mais linda que eu já saí e já tive algum contato. Você é linda por fora, e mais linda ainda por dentro. Você é uma garota apaixonante. -
E foi ouvindo isso que me lacei nos braços dele, e senti os lábios dele tocando nos meus. Me senti flutuando. Quando finalmente abri os olhos, toda aquela sensação boa que eu acabava de sentir, tinha ido embora. Minha visão estava escura, minhas pernas estavam formigando, eu não conseguia mais respirar, eu não estava mais ali.